O Problema Social que me interessa


Em junho deste ano alguns jornais online noticiaram que, um garoto de 10 anos  foi morto em conflito com a polícia enquanto fugia, dirigindo o carro que acabara de assaltar. Agora, é a sua mãe quem acaba de ser presa, também, pelo crime de assalto. À época, esta mãe, em prantos, criticava a força policial e recebia forte apoio dos grupos de pressões de direitos humanos.  É claro que o apoio de grupos de esquerdas ou progressistas, como gostam de serem chamados, tem no seu cerne o problema social sob a dicotomia vítima versus opressor. O que ao meu ver, é a forma mais preguiçosa que se tem quando se trata de temas de grande complexidade como são os de natureza social. Neste caso em específico, o discurso dicotômico cuida de revisar sua teoria: incluindo a mãe numa cronologia de perfil sociológico que comprove um mal hereditário, justificando assim, a tragédia e ignorando o fato de que o ato do assalto possa ser, meramente, uma ação deliberada e banal. 

 Às justificativas podem ser muitas. De uma suposta repressão na infância ao alto número de desempregos no país. A verdade é que sempre haverá razões para atenuar o transgressor e poucas razões para o enaltecimento da virtude e o cumprimento da lei. Afinal, será que o garoto não foi privado desde cedo daquele ditado popular que diz que “costume de casa vai à praça? ”. Ou: será que o mal costume não estava diante dele, bem ali, naquela de quem cujos seios o alimentou? Tais perguntas, no entanto, ainda interessam a dicotomia vítima versus opressor, pois, o que a maioria das pessoas não querem admitir é a possibilidade que no fundo todos somos bárbaros mesmos e que a linha entre o bem e o mal é tão tênue que para não parecermos maus aos olhos dos outros, entrelaçamo-a com fios grossos e esteticamente agradáveis, como se fossem tranças em cabelos longos e brilhosos de uma boneca namoradeira. Ocultando,  portanto, a frágil consistência de nosso interior.

 Não admitimos que temos grande interesse e curiosidade na barbárie, pois, é a não admissão que nos possibilita que tenhamos uma câmera de celular à mão, quando a tragédia ocorre diante de nossos olhos ou quando quisermos jogarmos uma pelada ao lado de corpos mortos na praia. Ora, é precisamente desta constatação da natureza humana que os problemas sociais precisam ser enfrentados. A utopia, ideais de perfeição ou mesmo o messianismo, assim como estratificar o problema em vítima e algozes, é ignorar a real natureza dos problemas e assim protelar as possíveis soluções, apresentando sempre os mesmos esparadrapos que escondem às purulentas feridas da humanidade. 


Quando eu fui atuar junto aos sertanejos de meu estado natal, Pernambuco, a principal motivação era responder a uma fé operativa, já que a fé sem obras é morta e, de fato, nada mais mórbido que uma fé contemplativa e ensimesmada. No entanto, quando você chega ao campo dos problemas sociais sob a ótica da fé e do serviço cristão abnegado, se a sua motivação inicial não for perdida, não se distraindo para um humanitarismo ativista - logo o cenário que se desenrolará a sua frente mostrará que abraçar uma causa vai além de promover soluções para ela, consistindo, sobretudo, em ficar a par de toda realidade ou dilema social e como num caminho sem volta, entrar na toca do coelho onde as mil maravilhas fazem parte somente de um ideal. Só assim é que podemos dizer que abraçamos uma causa, isto é, quando não encontramos razões para retroceder, já que aquela realidade nos inviabiliza imediatamente para a possibilidade de desistência, uma vez que as soluções precisarão ser pensadas a curto, médio e a longuíssimo prazo. E mais: sem solução final.

No caso dos sertanejos do nordeste brasileiro, você terá um desafio muito maior e que engrossa o caldo da leviandade da natureza humana, a saber:  o das forças políticas e religiosas que emolduraram por séculos o modo de vida do sertanejo, forjando uma cultura de dependência do assistencialismo, e que é contraditória a postura emancipada do sertanejo no enfrentamento dos muitos ciclos da seca, gerando, assim, um conflito moral, observado na música interpretada pelo rei do baião, Luiz Gonzaga, em Vozes da Seca:

“Mai doutô, uma irmola para  um hômi que é são, ou le mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Se a motivação fosse apenas uma paixão, é possível que às soluções imediatas do encanto sofram muitas alterações até que o desencantamento feneça como uma flor. Contudo, quando o que se preconiza é a real complexidade do problema, resta uma motivação e ela deverá ser a verdade pela qual você faz o que faz: o amor. O amor. Não aquele romântico de finais felizes. Mas de inícios e reinícios sem pensar no fim até que vejamos ao nosso redor que, apesar do mal, o bem existe. Deste modo, o problema social deixa de ser uma especulação ou produto de engenharia social e passar ser apenas o que de fato me interessa.


Por Fernando Lima.

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