Sobre Downton Abbey (Não contém spoilers):

Finalmente encorajei-me a assistir o 'grand finale' de "Downton Abbey", a melhor série de todos os tempos. As lágrimas ainda estão frescas no rosto e o pequeno diálogo entre a Condessa Viúva e a Sra. Crawley no finalzinho no capítulo ecoam na minha mente:
“- Faz-me rir como celebramos ao futuro todos os anos – o que quer que ele traga.
- Mas ao que mais celebraremos? Estamos indo para o futuro, não de volta para o passado.
- Se pudéssemos escolher!”

Quem conhece o espírito de Violet, a Condessa Viúva de Grantham, sabe de seu apreço quase devoto pelas tradições e costumes que guiaram o 'modus vivendi' do povo inglês por tantos séculos; mas sabe também de sua maleabilidade para lidar com fatos, aqueles que não poderiam ser modificados nem pelo mais nobre dos preceitos.  Eu me identifico com essa faceta da Condessa: se pudesse, escolheria voltar. Não posso. O que me resta se não avançar?

Aí está a diferença crucial entre o conservador e o reacionário. Este lamenta por um passado glorioso e – estagnado perante a vida – murmura, saudoso de glórias distantes, muitas vezes irreais, exageradas pelo tempo. Aquele não sofre por, mas honra o passado de seus ancestrais; valoriza os costumes, mas não se faz escravo deles; sabe da importância de repassar valores às próximas gerações e não se empolga com vãs promessas de um mundo perfeito.

Eu, como conservadora que sou, não sento e choro de saudade de um passado que sequer vivi, mas confesso que, assistindo Downton Abbey, senti muitas vezes uma certa nostalgia invejosa (rs!). Onde estão os Conde Grantham e seu cavalheirismo impecável? Onde a bravura e a honra que Matthew demonstrou ter desde o início? Ainda existem escudeiros fieis como Carson, Anna e Bates? E mulheres cheias de personalidade e muita classe como Lady Mary, Violet e Isobel? A distinção doce e elegante que tanto Lady Grantham quanto Mrs. Huges, cada uma a seu modo, demonstravam ter, está em extinção e até a inveja pueril de Thomas Barrow teria um certo charme em dias nos quais se mata por um par de tênis.

É ficção, vocês dirão. Eu sei, replicarei. Mas não tenho dúvidas de que na Inglaterra de há 100 anos (e no mundo como um todo) esses tipos existiram. Aliás, eles ainda existem, mas seu desaparecimento é iminente.

Vivemos uma transição que, em partes, lembra a que esses personagens viveram nas duas últimas temporadas da série. O “mundo novo” se avizinha, mas os agouros que ele traz não são esperançosos como o eram os daquele tempo. Não se trata apenas do fim dos valetes e das damas de companhia, dos mordomos e dos palácios residenciais; não se trata da chegada do rádio, da geladeira, do telefone e do secador de cabelos; não se trata da possibilidade de um plebeu poder se casar com uma nobre e vice-versa. Trata-se de uma mudança muito mais séria e profunda: trata-se do fim do respeito humano, do fim da masculinidade, do fim dos sexos e início dos gêneros; trata-se do fim da honra, do fim da arte, do fim da alta cultura, do fim das liberdades individuais, do fim da Europa, do fim do Ocidente.

Eu exagero? Espero sinceramente que sim, contudo, a realidade não me permite muitas ilusões. Sigo avançando, não dá pra voltar, o futuro nos espera. Tomara que sejamos (pelo menos alguns de nós) capazes de educar novos Moesleys, Williams, Berties, Matthews e Bates. Novas Patmores, Coras, Ediths, Sybils, e Annas. Que Deus nos ajude. Só assim vislumbraremos um futuro melhor.


P. S. As tiradas impagáveis de Lady Grantham, a Viúva, farão muita falta. Bem como o belíssimo figurino usado por Lady Mary e Lady Rose. Julian Fellowes, o que vem em seguida?


Priscilla Aydar é  cristã, conservadora, blogueira, escritora e louca por sapatos e por livros. Diz que não passa de uma mulher comum, daquelas que ainda sonha em deixar um Brasil melhor e mais livre para seus filhos e netos. Escreve em seu blog  Pr(i)ideias

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